por Clementine Tangerina, em 20.05.09

Na aparelhagem da sala a música vai tocando sem que ninguém lhe dê a importância que devia. Entro na sala, fecho o cortinado, ajeito as almofadas que estão fora do sitio, desligo a música e deito-me no chão, no tapete macio que tanto me custou a juntar para o pagar, mas que me tem feito ter belos momentos de reflexão e de introspecção!
Se alguém me visse neste momento aqui deitada no chão, ao em vez de estar no meu sofá chaise-long não pensavam o melhor de mim, mas eu diria que as vezes o chão duro é mais macio que qualquer sofá. Fico de olhos fechados a tentar abstrair-me dos sons do prédio e da rua, tento desligar-me do que me rodeia e por breves minutos sentir-me em silêncio para puder voltar a ser o que era, ser a pessoa que sorri à mínima piada que ouve na rádio, voltar a dar gargalhadas de alegria quando estou entre amigos, voltar a acordar de manhã e sentir que "é o primeiro dia do resto da minha vida"! Na porta ao lado alguém toca a campainha, rezo para que não venham interromper o meu silêncio. Mas esse pensamento logo é interrompido, a campainha toca e desta vez é mesmo na minha porta. Levanto-me, respiro fundo, calço as crocs rosas que sempre uso em casa, olho pelo buraco da porta...volto a olhar e nada. Penso para mim...será que foi alguma brincadeira do miúdo do andar de cima ? Coloco o ouvido na porta para tentar perceber se há risos, e percebo que não há qualquer som...até o relógio de cucos do senhor Alfredo está silencioso hoje. Começo a achar que talvez a porta não tenha tocado...talvez tenha sido um delírio meu, é o mais provável, talvez por eu ter estado demasiado tempo em silêncio e fez com que sonhasse com o toque da porta. Talvez sim, talvez não.Volto para me deitar novamente no tapete da sala e reparo que há uma moldura nova que não estava ali, olho para as fotografias e reparo que são recentes, devem ter pouco mais de um mês. Questiono-me do sorriso que tinha na fotografia, não está sincero...há algo na fotografia que me intriga e me preocupa. Será que os outro viram o quanto estava a ser cínica naquele momento ? O quanto era amarelo o meu sorriso ? Aquele não foi uma festa qualquer, foi a celebração da promoção de um dos amigos...uma saída à noite calma, num restaurante novo para todos, mas surpreendente! Fiquei a matutar sobre aquele sorriso, porque no dia não me achava assim tão indisposta para estar com aquela expressão. Talvez tenha sido o comentário de x e de Y...mas isso já começa a ser normal...há pessoas que não percebem a minha opção de querer ir viver para longe, de querer construir uma casa junto a uma ribeira e trabalhar longe da cidade e dos meus amigos. E eu aceito, tal como acho que essas pessoas tem que aceitar as opções dos outros. Eu sei que o que sai fora dos hábitos e rotinas das pessoas costuma chocar, mas eu fiz uma escolha e a minha escolha é para a vida. Eu quero ser mais eu, quero ser mais do que sou agora. Quero sorrir ao almoço e ao jantar, quero ir ao mercado sem pensar que não vou ter lugar para estacionar, quero ver a montanha sem ter que andar duas horas de carro, quero deitar-me ao fim da noite e desligar do mundo e só pensar em mim e no meu lado esquerdo. Eu quero mais, muito mais da vida e isso eu tenho a certeza.