Uma comum noite de sexta-feira, a casa estava vazia de pessoas e cheia de silêncios. Das janelas soava o suspiro do vento que soprava e em pequenas melodias conseguia prender toda a atenção. A rua, vazia, comum numa sexta-feira à noite chuvosa. No reflexo das janelas era visível que as televisões estavam ligadas. Um ou outro carro passava mais apressado e outros tranquilamente iam passando em forma de passeio. Alguns rascunhos foram saindo para a folha de papel, escritos com a caneta mais antiga da casa, a dos momentos mais importantes. Mas naquela noite, nada de importante iria ou tinha acontecido. Apenas o silêncio. Sim o Silêncio, raro em meses. Sempre cheia e com gente por todo o lado, a casa parecia sempre a transbordar de vozes, vindas da cozinha, da sala e até do escritório. Mas naquela noite silenciaram-se e só o som da chuva serviu de banda sonora. O silêncio incomodativo convidou a ligar a música, a escolha entre a rádio e um comum cd da colecção fez com a incerteza se torna-se longa. Não era qualquer som que ficaria bem para naquela noite, naquele cenário, e momento tão marcante para a caneta. Depois de muita escolha, o silêncio foi mais uma vez, vencedor. O sofá vazio convidava para um descanso entre pensamentos, nada pairava sobre a mente, apenas o recordar daquele momento. Havia o desejo de ler um livro que fizesse passar umas boas horas a sonhar. Já há muito que nenhum livro tinha esse dom. Talvez por não saber escolher os livros, ou simplesmente porque talvez não fosse aquele momento, o momento certo. Os livros que estavam na prateleira tinham sido lidos em fases muitos distintas, e todos compreendidos de formas diferentes das diversas vezes que foram (re)lidos. Nada naquela noite lhe parecia sóbrio. As músicas do passado, as histórias que viveu, os seus percursos de vida, e até as pessoas com que se cruzou.